terça-feira, 21 de novembro de 2017

À merda com as causas perdidas.

Os pingos de chuva se atiravam violentamente contra o vidro da janela naquela tarde escura de novembro. Duncan era não muito mais do que um fantasma no meio daquele quarto, cercado pela névoa que a fumaça dos cigarros mal apagados no cinzeiro em cima da mesa formavam enquanto dançavam ao som do disco de Gary B. B. Coleman que rodava no aparelho. Duncan era não muito mais do que a antropomorfização da depressão. A gola da camisa desajustada, a gravata afrouxada, os cabelos castanhos tradicionalmente bagunçados, a barba por fazer e a expressão distante. Esse era, pelo menos, o que os seus amigos conheciam, exceto pela máscara do seu clássico bom humor ácido que estava jogada no chão. Essa que se aparentava surrada, suja, desgastada pelo uso em demasia nos últimos anos. Hoje era um daqueles dias em que ela não servia, não se encaixava, não importava o quanto tentasse. Pra ser sincero, nesses dias ele não costumava tentar. Nesses dias ela o machucava. Seu semblante hoje refletia o horizonte embaçado e vago que os seus olhos buscavam ao longe, por entre os prédios, os carros, a rua e todos aqueles que corriam pela calçada para procurarem abrigo da chuva. Duncan sentia a vida vibrar lá fora, enquanto a morte o espancava ali dentro do quarto. O vidro molhado era como uma barreira que separava essas duas dimensões. Esse vidro parecia maciço, intransponível, fosse pra vida entrar ou pra que ele fugisse. Ele sabia que ali, estático, de pé contra a parede, ele já fugia. O problema é que ele não entendia que, por mais que tentasse fugir, ele não podia escapar. O monstro não era a vida, não eram as pessoas, não era sua rotina, seu emprego... O monstro não era ela. "Ela"... Aquela que não deve ser nomeada, aquela que ele não ousava mais chamar pelo nome. Doía quando ele dizia. O monstro do qual ele fugia o acompanhava, vivia dentro dele, se alimentando de amor. Amor... Esse tornava-se a cada dia um doce veneno que escorria pela sua goela e queimava seu peito. Não eram as pílulas, não era o salto da janela do décimo andar, sequer uma corda no pescoço. Duncan passou a mão no seu paletó, deu o último gole no whisky remexido, sussurrou algo enquanto se encarou no espelho, tomou o caminho da porta e partiu. No quarto vazio, em meio às notas sofridas do blues, seu celular começou a vibrar. Na tela, uma palavra: "Vagabunda".

Cya.

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