sábado, 31 de dezembro de 2022

Sem ar.

(…) - Você viveu o que queria? - cintilaram as palavras em tom baixo, acolchoadas no brilho leve do olhar cansado que eu só pudera observar através das lentes finas dos óculos cor de cereja, contrastando com o inquietar das mãos que se esfregavam uma na outra, como se tentassem se lavar no ar, buscando, sem sucesso, purgar a sujeira do momento desconfortável.

- Vivi mais do que devia.

Em voz alta, as palavras soaram mais tolas do que parecera antes. Afastei a cadeira com as mãos, lancei o último olhar terno, firme, vazio, sem mais ver brilho algum. Só o das luzes, dos isqueiros e dos cigarros, dos faróis que refletiam nas vidraças, dos talheres prateados sobre as mesas. Em silêncio, atravessei o barulho.

- Fiz mais do que podia -, repeti num murmúrio. Ganhei a rua e caminhei.

Cya.