segunda-feira, 13 de abril de 2015

Por que escrever, afinal?

"Por que escrever, afinal? Ora, por escrever, ou por mil motivos que explodem na mente dos que escrevem! Mas também para ser, para se encontrar, para concretizar com letras alguns pedaços de alma – isso metaforicamente falando, quero dizer pedaços de uma essência mental que chamo de alma, pois não acredito em almas do ponto de vista espiritual ou qualquer coisa do tipo – para me guardar em palavras e depois me reencontrar, lembrar como pensava antes, repensar textos antigos, para desenhar minha visão, talvez. Desenhar a alma com letras. Escreve-se para existir, para desenvolver os pensamentos e conversar com o próprio texto, de forma que ele vai se desenrolando, vindo de um infinito de ideias que nem era visível antes de se iniciar um texto. É uma forma de conversar consigo mesmo, talvez, se usar palavras como lanternas para iluminar os labirintos da própria existência – ou construir o caminho desta.

Escrever é essencial para alguns, quando se sente transbordar de ideias, inspirações únicas. Ou, simplesmente, transbordar até de ego, talvez, quando o texto vira um espelho para o narcisismo de seu autor, que não cansa de relê-lo e admirar – maquiando sem parar com vírgulas, novos pontos, cortando palavras que sobraram ou pintando-o com palavras que faltavam. E quando se consegue ler um texto próprio, e depois de lê-lo e relê-lo mil vezes, não achar mais nada que queira mudar nem em uma meia vírgula sequer, aquele texto vira a mais perfeita e esplêndida pintura de seus pensamentos, lapidados com o maior afinco e perfeccionismo.

E o que se pode fazer depois de conseguir produzir um texto assim? Publicá-lo? Talvez, mas uma ideia melhor, talvez insana, mas mais original e definitivamente deslumbrante me ocorre. Não exatamente uma ideia, mas na verdade um impulso, um ímpeto doentio e obcecado: vontadese transformar naquele texto e então morrer naquele texto, fazer daquelas letras meu caixão, meu cemitério, de usar aquelas vírgulas como punhais para um suicídio linguístico e inovador. Se bem que não é só com textos próprios que sinto isso, é algo que ocorre com textos dos maiores mestres da literatura frequentemente, ou com músicas ou filmes ou outras obras de arte absolutamente geniais.

Enfim, tal ideia me perseguia por dias, até que dei início à escrita desse texto. Decidi testar se era possível morrer em um texto. “Como isso poderia ser possível?” – perguntaria qualquer ser humano sensato o suficiente. Simples: morro todos os dias; de formas diversas me assassino em silêncio, mas, dessa vez, resolvi morrer em um texto. Se vou me matar mais uma vez, por que não transformar tal ato em arte pelo menos e transbordar a existência em palavras?

Claro que digo morrer de maneira a continuar organicamente respirando, mas de uma forma que a existência inteira vire nada mais além do que vejo nesse espelho de palavras. Até que a escuridão do mundo ao redor desapareça por completo, assim como essas letras, pois olho nos olhos delas e lá me vejo, me encontro e me esqueço de vez. Até que tudo enfim desaparece por completo, evanescendo sob sombras disformes que surgem como nuvens de inexistência."

"Escrevendo Pedaços de Alma", por Amanda Leonardi em: http://literatortura.com/2015/04/escrevendo-pedacos-de-alma/

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