quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Não sei viver.

Eu tinha certo ceticismo em crer na bondade das pessoas. Em partes porque eu assistia ao egoísmo com que as pessoas agiam diariamente, em partes porque só eu sabia que nas minhas tentativas de tentar dar meu melhor tinham que suprimir certo egocentrismo que existe intrinsecamente em cada ser humano. Mas tinha um lugar em que eu sabia que a bondade existia, e aos montes.

Nos meus primeiros dias no hospital, o que mais mexeu comigo foi a ala pediátrica. Aqueles pequenos, carequinhas, visivelmente abatidos fisicamente, mas que ainda continham um brilho intenso. Uma inocência celeste em relação ao mal que enfrentavam, e isso os dava uma força imensa, eles simplesmente lutavam, de maneira pura, sem ao menos saber a agressividade do seu adversário. Os recém chegados ainda apresentavam olhos assustados, e aos poucos iam se acostumando. As rotinas árduas dos tratamentos, a debilidade física causada pelos mesmos - além das da própria doença. E ainda assim elas sorriam, riam, brincavam.

Elas eram uma fonte de carinho que cativava de maneira ímpar todos que ali trabalhavam, e nos atingiam violentamente quando fatalmente partiam. Era uma injustiça imensa que fossem forçados a passar por isso ainda tão pequenos. Eu achava injusto até com os adultos, com eles, então... A doença era sutil, silenciosa e traiçoeira. Eu ouvia de vários pais que aquilo, infelizmente, era a vontade de deus. Se houvesse um deus, ele não haveria de permitir que aquilo acontecesse. Aquilo soava ridículo, eram pais justificando o sofrimento dos filhos como uma vontade divida.

Deus... Esse era mais um dos motivos que me faziam duvidar da bondade das pessoas. Uma mera barganha dos seus seguidores para que suas almas não queimassem eternamente no fogo do inferno. Aquilo não era sincero, não tinha legitimidade alguma. Essas seriam as mesmas pessoas que pendurariam Jesus de novo numa cruz. Esse que é uma das pessoas mais bondosas da história, e ele terminou julgado e condenado pelos próprios a quem ele supostamente viera salvar.

Em certas horas, tudo isso me consolava ainda mais quando eu me sentia o próprio diabo.

Cya.

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