Permaneci imóvel, na calçada, a admirando, como fiz a noite toda. Durante o jantar, captei cada detalhe do seu jeito: tinha um sorriso tímido daqueles de apertar os lábios, misturando a inocência de uma menina com um charme diabólico, fazendo as covinhas se sobressaírem e formarem um par amável com seus dentes perfeitos. A maneira como os seus olhos miravam minha boca enquanto eu falava, feito duas opalas negras, fixadas com maestria num engaste branco, em um contraste perfeito com o contorno preto dos seus olhos, dançando no ritmo da minha fala. Sua companhia era fácil de aproveitar.
Ao chegar em frente sua porta, ainda sem preparar a chave para abri-la, me convidou para um café. Já era tarde, o sono alcoólico já havia flertado comigo e achei que seria interessante algum estímulo para que a caminhada solitária pelas calçadas até minha casa fosse menos agoniante, e eu aceitaria qualquer desculpa pra desfrutar só mais um pouco da sua companhia. Nos meus desejos mais otimistas, conseguir o beijo - mesmo que de despedida - que eu tanto desejei durante toda aquela noite.
Subi as escadas e tomei o rumo da porta, mas percebi que seu corpo não havia se movido para que eu passasse. Num ato de coragem e improviso, com uma mão apoiei sua cintura, com a outra fechei a porta atrás de mim. Em uma resposta rápida, senti seu corpo se aproximar do meu e os seus olhos devorarem o fundo do meu ser, sem suavidade, sem pudor. Os poucos centímetros que separavam sua boca da minha foram o suficiente para contrastar o seu hálito quente e inebriante com o frio na minha barriga.
Terminei por jogar meus braços completamente pela sua cintura e aproximar mais ainda seu corpo contra o meu, para que não houvesse espaço não preenchido entre nós dois. Seus dedos finos se entrelaçaram aos meus cabelos e rapidamente desceram pela minha nuca, meu pescoço e alcançaram meu peito, onde ela delicadamente desabotoava os primeiros botões da minha camisa. Percorri vagarosamente o caminho entre sua boca e seu pescoço, sentindo sua respiração acelerar enquanto meus lábios dançavam devagar em sua pele.
Pele essa que eu sentia a maciez com o paladar e o tato, mesmo que por cima do seu vestido. Seu cheiro doce me entorpecia, despertando algo em mim que nitidamente previa que qualquer ato controlado e racional da minha parte seria inútil. Ao terminar de desabotoar minha camisa, senti suas unhas levemente percorrerem minha pele, o suficiente para que ela se apoiasse confortavelmente em mim, empurrando meu corpo contra a parede do corredor e nos transformando num só.
A beijei como fosse a última coisa que eu faria na vida.
A beijei como fosse a última coisa que eu faria na vida.
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