quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Amanhã tão distante, tão longe de mim.

(...) Observei atento a cada um de seus passos enquanto ela subia as escadas e seus dedos deslizavam pelo corrimão de ferro. Os saltos dos seus sapatos emitiam um som peculiar enquanto ronpiam as pedras dos degraus, como se anunciassem de maneira sutil e eloquente uma saída triunfal. Ela abusara da oportunidade de poder usar um vestido daqueles em uma rara noite quente, pelo menos nessa época do ano, todo branco, que cintado ao seu corpo fazia de suas curvas algo absurdamente atraente. Sua presença enquanto caminhava era imponente e encantadora, predadora.

Permaneci imóvel, na calçada, a admirando, como fiz a noite toda. Durante o jantar, captei cada detalhe do seu jeito: tinha um sorriso tímido daqueles de apertar os lábios, misturando a inocência de uma menina com um charme diabólico, fazendo as covinhas se sobressaírem e formarem um par amável com seus dentes perfeitos. A maneira como os seus olhos miravam minha boca enquanto eu falava, feito duas opalas negras, fixadas com maestria num engaste branco, em um contraste perfeito com o contorno preto dos seus olhos, dançando no ritmo da minha fala. Sua companhia era fácil de aproveitar.

Ao chegar em frente sua porta, ainda sem preparar a chave para abri-la, me convidou para um café. Já era tarde, o sono alcoólico já havia flertado comigo e achei que seria interessante algum estímulo para que a caminhada solitária pelas calçadas até minha casa fosse menos agoniante, e eu aceitaria qualquer desculpa pra desfrutar só mais um pouco da sua companhia. Nos meus desejos mais otimistas, conseguir o beijo - mesmo que de despedida - que eu tanto desejei durante toda aquela noite.

Subi as escadas e tomei o rumo da porta, mas percebi que seu corpo não havia se movido para que eu passasse. Num ato de coragem e improviso, com uma mão apoiei sua cintura, com a outra fechei a porta atrás de mim. Em uma resposta rápida, senti seu corpo se aproximar do meu e os seus olhos devorarem o fundo do meu ser, sem suavidade, sem pudor. Os poucos centímetros que separavam sua boca da minha foram o suficiente para contrastar o seu hálito quente e inebriante com o frio na minha barriga.

Terminei por jogar meus braços completamente pela sua cintura e aproximar mais ainda seu corpo contra o meu, para que não houvesse espaço não preenchido entre nós dois. Seus dedos finos se entrelaçaram aos meus cabelos e rapidamente desceram pela minha nuca, meu pescoço e alcançaram meu peito, onde ela delicadamente desabotoava os primeiros botões da minha camisa. Percorri vagarosamente o caminho entre sua boca e seu pescoço, sentindo sua respiração acelerar enquanto meus lábios dançavam devagar em sua pele.

Pele essa que eu sentia a maciez com o paladar e o tato, mesmo que por cima do seu vestido. Seu cheiro doce me entorpecia, despertando algo em mim que nitidamente previa que qualquer ato controlado e racional da minha parte seria inútil. Ao terminar de desabotoar minha camisa, senti suas unhas levemente percorrerem minha pele, o suficiente para que ela se apoiasse confortavelmente em mim, empurrando meu corpo contra a parede do corredor e nos transformando num só.

A beijei como fosse a última coisa que eu faria na vida.

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