(...)
Aproximou-se da porta de vidro que separava o quarto da sacada e observou uma Nova Iorque mais acordada no que nunca, e ele se via diante de um cotidiano semelhante. O cansaço das horas acordado disputava espaço com o tormento das horas de seu sono atormentado. Ao buscar a maçaneta e trazê-la próxima de si, o vento gelado penetrou violentamente pela fresta, embora esse fora praticamente ignorado pelo rapaz que se concentrava no horizonte e focava no seu café. Sentou-se na cadeira e ergueu os pés em direção à grade, suspirando fundo e tomando mais um gole da bebida quente. Enquanto observava a escuridão da noite contrastando com as luzes dos prédios, refletiu sobre a conversa que tivera com Stephanie mais cedo. Embora as brigas fossem constantes quando estavam juntos, ela ainda fazia o típico papel de irmã mais velha que se preocupava com o bem-estar do caçula e o protegia mais do que uma coruja fazia com o filhote, assim como era quando crianças. Mesmo que hoje ele fosse um psicólogo e ela uma médica, o comportamento infantil nesse ponto era inevitável de ser despertado. Ela havia chegado de Washington mais cedo do que o esperado e acabou convidando-o para almoçar naquele dia. Entre os papos triviais ou clássicos, como a saúde de seus pais, a família do irmão e as corriqueiras fofocas profissionais que eles gostavam de trocar, ela acabou por perguntar a mesma coisa que todo mundo insistia em perguntar - e que ele já havia desistido de tentar se esquivar: "Como você está?". Não era uma simples pergunta, como sempre. Era sobre Gail. Depois de um olhar cerrado, ele resolveu se abrir:
- Sabe, Steph, já faz alguns meses e eu ainda sinto as mesmas coisas. - Disse ele. - Infelizmente, a intensidade das emoções e a frequência com que elas me acertam eu não posso controlar. Mas, por outro lado, ando tendo mais domínio de como reflito sobre elas. Eu, definitivamente, não a quero de volta, mas jamais deixei de amá-la. Isso sempre entra em conflito quando me sensibilizo por alguma lembrança de um filme, uma volta no parque, ou uma camiseta minha que ela gostava de usar pra dormir, enfim. Mas em todo esse tempo, qualquer coisa que eu faria pra ter ela de volta, ela poderia ter feito também. Eu morro de saudades, mas ela talvez não, quem sabe? Acabei concluindo que o dia 27 foi o dia em que ela resolveu ir embora, mas ela já não estava lá havia muito tempo. Tudo o que eu fiz e ela não soube retribuir. Tudo que eu sacrifiquei e ela não soube reconhecer. Toda vez que eu era solidão e não ganhei um abraço, toda vez que odiei e não ouvi ela falar sobre amor, todas as vezes que esqueci como era estar vivo e ela não me lembrou de quem eu era, toda vez que me machuquei e ela não me salvou da dor, toda vez que eu não fiz sentido e ela não se importou em tentar me entender. Eu estava sozinho há muito tempo, eu amei sozinho. E esse meu amor é coisa grande demais pra que eu o sustentasse só por minha conta, era preciso nós dois pra que ele fosse um só. Me crucifiquei por noites e noites achando que ela era o melhor de mim. Acabei por perceber que eu era a melhor parte dela e, que sem mim, ela era só mais uma, como qualquer outra... - Concluiu.
A caneca já estava vazia e o tempo correu enquanto se distraia com suas divagações. Os primeiros sinais da claridade do dia que se aproximava resolveram aparecer. Levantou-se da cadeira e entrou. Mais um dia foi vivido, menos um pra ser sofrido. Que comece o próximo.
A caneca já estava vazia e o tempo correu enquanto se distraia com suas divagações. Os primeiros sinais da claridade do dia que se aproximava resolveram aparecer. Levantou-se da cadeira e entrou. Mais um dia foi vivido, menos um pra ser sofrido. Que comece o próximo.
Cya.
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