quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Enrolados e embriagados.

Apesar das poucas palavras e da voz distante de Gail no dia anterior pelo telefone, Duncan permanecia animado. Saiu cedo, escorregou pelas escadarias da estação e pegou o metrô que levava direto à St. Eugene Avenue, onde iriam se encontrar. Sentou-se no primeiro lugar vago que avistou, ao lado de uma senhora de meia idade que carregava várias sacolas cheias. Enquanto o trem de ferro percorria as linhas e túneis, ele reparava nos rostos daqueles que se encaixavam em volta dele, que pareciam ora vazios e distantes, ora preocupados, inquietos. Rostos desconhecidos e expressões familiares demais. Por um segundo, chegou a imaginar que aqueles semblantes fossem vitrais que transpareciam muito bem os interiores daqueles indivíduos, ou até que refletiam os exteriores uns dos outros. Procurou não pensar muito. Fechou os olhos, a ansiedade do encontro iminente já havia começado o ataque. Isso durou até que, ainda distante e em meio à multidão, uma face destacou-se, surgindo através das janelas que corriam impacientes e apressadas diante de tantos rostos embaçados que se aproximavam do vagão para o próximo embarque. Era ela.
Duncan pulou do seu assento e abandonou o vagão, direto ao encontro do rosto amigo. A ansiedade deu o golpe final e o frio escalou seu estômago, sua garganta e ganhou a nuca. Caminhou mais alguns passos e parou de frente com mais um rosto vazio. A diferença para os que ele antes observara é que esse vazio, particularmente, o incomodava.
Gail não era alta, mas ainda marcava presença em qualquer ambiente que estivesse. Seu rosto era naturalmente pálido, entrando em contraste com os cabelos pretos que se depositavam de maneira leve de encontro aos contornos do rosto e caiam sobre os ombros delicados. Os olhos faziam-se enormes, negros, os cílios ligeiramente curvados acompanhavam a sinuosidade de suas bochechas, rosadas de maneira tímida por serem obrigadas à compartilhar espaço com uma boca tão fabulosa. Essa era bem desenhada e farta, que desabrochava num sorriso atordoante, tão atrativo ao ponto de ser hipnótico. O rapaz sabia muito bem disso, foi exatamente esse o efeito da primeira vez que a viu. Entretanto, a boca ainda não era a parte mais traiçoeira, essa era só a primeira fase... Nada era tão letal quanto o olhar penetrante e direto, como uma flecha lançada à toda força que atravessaria até mesmo uma muralha. Ah, aquele olhar! Enquanto a boca atraía, ele é quem dava o golpe de misericórdia e roubava o coração de qualquer desavisado que ousasse fitá-la por muito tempo. Porém, dessa vez, eles não furtavam nada. Tampouco traziam algo dentro de si. Talvez um pouco de tristeza. Era isso que incomodava-o.
Ela lançou um sorriso duvidoso, embora o suspiro de alegria ao vê-lo fosse muito sincero. Os olhos se cruzaram, os braços se cruzaram. Se abraçaram por alguns segundos, alguns longos segundos. Os braços delicados dela passaram pelo pescoço dele, onde o queixo se deitava no ombro e o nariz beijava o pescoço. Os dele a laçavam um pouco acima da cintura e a envolviam pra perto, chocando-a contra seu corpo, como se seus corações quisessem se tocar.
- Fiquei muito contente por você ter aceitado meu convite pra almoçar! - Disse ele.
- Você foi muito idiota ontem... Você é sempre muito idiota. Como eu recusaria?!
Eles riram, embora dentro de Gail a risada ecoasse por um momento maior, já que ultimamente esse sentimento não era dos mais comuns. Duncan ainda conseguia, como poucos, tirar algumas gargalhadas dela com o seu jeito singular. Talvez isso a tenha feito aceitar tão prontamente o convite. Por mais que o momento da vida dela fosse difícil, ela ainda sentia uma certa paz ao redor dele. Essa sensação não tinha nome, nem forma. Ela não precisava de uma definição. Paz já era o que bastava.
Fosse desde o caminho da estação do metrô ao Le Garette, do começo ao fim daquela curta hora que durara o almoço, o tempo se desdobrou entre muitas risadas e os mais diversos assuntos, onde as trocas de olhares falavam muito mais do que qualquer palavra que havia sido dita - como sempre eram os seus encontros. Ainda assim, algo nos olhos dela ainda soava impreciso, passível de interpretação. Já os dele... Eles gritavam aos sete ventos que, dentre todas as coisas que ele mais queria, naquele momento a maior delas era de que os pedaços que ainda restavam do seu coração destroçado fossem exatamente os que poderiam se encaixar perfeitamente nas feridas abertas do coração dela, mesmo que ele não soubesse que feridas eram essas. Ele queria que seus corações se encontrassem, como no abraço que ocorrera mais cedo. Nada além de corações entre laços. Com calma. Com alma. Ele e ela. Feito nós. (...)

Cya.

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