Há alguns anos, escrevi que as dores do coração e da alma (peço perdão pela hermeneutica patética) se tornavam cada vez mais fáceis de serem digeridas e enfrentadas quando enxergávamos as verdadeiras formas que elas possuiam. Que os golpes desferidos em nossa direção tornavam-se desviáveis ou aparáveis quando sabíamos o que tinha a intenção de nos atingir. Que suprimíamos com mais facilidade o que vinha em nossa direção.
"Nenhuma experiência é individual (sic)", diriam, exceto a depressão. Essa, que diferente de tudo o que acontece na nossa vida, mesmo diante de infinitas possibilidades randômicas ainda permite que saboreemos o que outra pessoa, em algum momento, tempo e espaço já saboreou, torna a dor - ou a ausência desta - uma coisa singular.
Refletindo sobre a depressão em si, como experiência, cheguei à conclusão de que a "passagem", que demanda àspas bem aplicadas, tem sabores e dislates conflitantes entre as fases, e que por mais que o contraste entre a euforia e o torpor tenha cores parecidas quando ouvimos os relatos de outras pessoas estando no meio de uma ou em transição entre ambas, jamais é igual.
Nessa semelhança, reconhecemos pontos importantes. Nas melancólicas, assim como citei acima, ainda temos um fio ou uma ponta de esperança. Não em algo concreto, bem definido. Mas de que algo ou alguém deteria força capaz de - surpreendentemente - nos tirar daquele buraco onde afundamos constantemente; ou então de que uma corda enroalda ao pescoço ou um tiro mirado nas têmporas poria fim ao sofrimento. E quando na fase do torpor, tomamos consciência plena de que não há um dia sequer que valha ser vivido, seja esse dia num futuro breve ou não; ou até mesmo de que nem o suicídio seria uma saída ou solução plausível pra nada, de que nem a morte seria uma fuga pra essa ausência de sentir e de sentido que não é capaz nem de nos consumir mais.
A morte como resultado, seja o meio qual for, demanda uma energia que não mais se possui. E nessa exaustão, percebemos que já somos cadáveres há muito tempo. Somos formas zumbificadas, que se relacionam com os amigos, vão ao trabalho, realizam as tarefas domésticas. Executamos tudo de forma reativa, gastando o pouco da energia não exaurida que nos resta pra apenas responder e nos tornarmos minimamente funcionais - embora na versão final desse texto, "funcional" ainda não soe como o termo correto.
A morte, ainda como resultado, não se mostra solução, porque enquanto estamos presos em nossas próprias mentes, nos ausentamos de forma legítima, onde a nossa presença não é mais o suficiente porque não temos muito - ou quase nada - a oferecer. Somos só um reflexo do que já fomos um dia. São nesses momentos em que a depressão se revela na sua pior forma: a de ultimato. Não precisamos estar mortos para nos reconhecemos como assombrações reais, horrorizando as pessoas que nos amam, um mero simulacro de carne perambulando pelo dia a dia, um abantesma pregado à vida dos que nos cercam.
Hoje, sem nenhum otimismo errante, diante de tanto dislate, percebo que nada é pior do que saber o porquê de apanharmos. De onde vem os socos. Qual a forma real do inimigo. Nada é pior do que não sentir nada - a não ser a frustração de não sentir nada além da própria frustração.
Cya.
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