O vento gelado que corria por todo o litoral leste nessa época do ano era um dos mais rigorosos que já havia presenciado. Cortava o rosto do errante como cortaria o próprio metal de que eram feitas as estruturas ao redor: os prédios, os pontos de ônibus, as placas, os parquímetros, os carros. O sol se deitava num horizonte distante, com prismas tímidos refletindo ao redor, sendo barrados, por fim, pelos montes de casacos e cachecóis que formavam os pedestres, antes já ofuscados pelas luzes exageradas de natal que inundavam a paisagem urbana já sempre muito iluminada. As luzes coloridas em uma cidade cinza. A vida colorida lá fora e a vida ali dentro. O personagem era tão parte do cenário quanto a recíproca é verdadeira.
(...) O Malthaus abrira mais cedo do que de costume. As ruas enxameadas pelos espectros consumistas que usavam da proposta das festas de fim de ano como desculpa pra gastar o que não se tinha, pra parecer o que não se era; e claro, prontos pra tomar uma dose bem servida de licor para aquecer o peito vazio - apenas preenchido pelo frio, - sendo essa última um anseio que eu partilhava. Sentei-me onde já era de costume, num banco marrom, alto e confortável em frente ao palco baixo. A garçonete do cabelo azul, costumeiramente simpática, angelicalmente resplandecida pela luz do bar de destilados às suas costas, observou tão atenta quanto eu as golfadas de líquido sujo caindo no copo.
Duas pedras de gelo. Jack. Garganta. Repete. Observamos atentos novamente.
A absência de julgamentos dela era o maior ato de carinho que eu poderia esperar de um estranho. A solidão que eu sentia, embora soubesse ser irreal, me trazia certas percepções da vida social que antes me eram privadas pela companhia. Da amizade ou do amor. Onde eu esperava pouco ou quase nada, era de onde vinham os mais singelos e honestos atos, valorizados assim por serem tão inesperados.
Inesperados como os golpes que a vida proporciona aos tolos. Golpe de vista, quando olhei por cima dos poucos ombros que já habitavam o local. Os cabelos negros, a pele pálida. Uma estranha familiar, familiar de outra vida, sendo "vida" um termo constantemente julgado como exacerbado pelo eu-lírico. Sorvi outro gole, assim como quando tudo começou. O mesmo lugar, mas não mais dois. Agora eram três. Eu é que sobrava. Sorvi outro gole para que tudo terminasse.
Cya.
quarta-feira, 22 de dezembro de 2021
Contando os dias, as horas e os minutos para que tudo termine.
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