Lorann era uma frágil efígie que parecia ter nascido como uma das mulheres mais maravilhosas que eu em infinitas vidas não ousaria sonhar. Nas qualidades que tínhamos em comum me superava, e nos defeitos me mostrava, numa apresentação homérica, como eu deveria ser. Estar na companhia dela era como uma tarde no parque, onde nos deitávamos de frente para o céu azul com ligeiras pinceladas de cinza, sentindo o cheiro gostoso que emanava da grama verde que fora beijada pelo orvalho da manhã, ouvindo o som dos galhos das árvores valsando em harmonia com o vento, observando a queda das folhas amareladas que cortavam o ar, girando e flertando com a queda iminente ao chão.
Eu fiquei por um longo momento sentado no chão, escorando minhas costas na parede gelada, encarando de frente a porta dela com a minha expressão mais pálida. Essa porta, que eu sabia que não se abriria mais. Não havia mais chave por cima da lamparina de metal, da qual eu havia reforçado para que ela não queimasse as pontas dos dedos quando a recolhesse. O sorriso de bordas curvadas não sairia mais dali, aquela paz jamais viria de novo ao meu encontro, ela não me pertencia mais. Nunca pertenceu. Eu tinha me apaixonado por tudo de bom que ela representava, pelo refúgio que minha mente rebelde encontrava na manumissão graciosa que ela dispunha ao meu ego flagelado.
O seu espírito livre me emprestava a sensação que há muito me havia sido privada e, mesmo depois de tudo que compartilhamos, eu sabia que ela não era minha. Eu não podia entregá-la essa responsabilidade de pertencer a alguém, principalmente a mim. Por momentos, eu a tinha comigo. Mas se eu a tivesse de vez, a aprisionaria na mesma cela suja e gelada em que eu vivia. Deixei-a ir. O céu que ficava há poucos metros do meu inferno se foi, voltando ao estado natural, aquele que apenas os limites do horizonte uniam. Meu inferno pessoal, que só pertencia a mim. Aquele que eu não poderia mais convidar alguém pra visitá-lo. Nunca mais.
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