O vapor que emergia da caneca de café quente beijava suavemente meu rosto, criando uma proteção perene contra os gelados golpes das correntes de vento que circulavam, criando um cenário típico de uma tarde de inverno pra mim.
Eu não fazia questão alguma do café. Nem do efeito energético da cafeína, tampouco do calor que ele me proporcionava. Era o cheiro amargo da bebida escura que esfumaceava da chaleira, dançando calmamente em uníssono pelo ar com o perfume doce de Gail, enquanto meu corpo, debruçado sobre as grades da sacada, ansiava por sentir suas mãos correndo pela minha cintura, me envolvendo em um abraço às avessas, me apertando e cheirando o meu pescoço como se o meu cheiro a enorpecesse da forma que o dela fazia comigo.
Eu só tinha o cheiro do café, o calor nas mãos da caneca e o frio gelado nas ruas, nas janelas e no peito. O ritual permanecera o mesmo, enquanto o efeito não. Não me eram suficientes sentidos básicos pra fazer com que eu me sentisse minimamente vivo. O torpor de ser atormentado pelo seu fantasma não gerava nem mais aquela familiar angústia sádica ao vê-la. Porque vê-la, mesmo que não ao meu lado, era um lembrete funesto de que minha dor era real. Hoje, só tenho ao meu lado a lembrança vaga de um passado que não mais me parece ter existido. Uma lembrança de algo que não aconteceu - ou não deveria ter acontecido.
Sorvi um gole de café quente. Continuei gelado.
Cya.